Resumo
Neste trabalho, procuramos verificar a inserção de um conjunto de neologismos em cinco dos mais importantes dicionários online do português brasileiro contemporâneo. Para essa análise, selecionamos neologismos que se difundiram no português brasileiro a partir da década de 1990, neologismos esses que consideramos representativos do período histórico estudado e que são ainda empregados contemporaneamente. Três dessas obras constituem versões online de dicionários previamente publicados em papel, considerados bastante representativos do português brasileiro: o Grande Dicionário Houaiss, o Dicionário Caldas Aulete e o Dicionário Michaelis. Outras duas obras apresentam apenas versões online e constituem trabalhos mais recentes, de menor tradição: o Dicionário inFormal (obra inteiramente redigida por usuários) e o Dicio.com.br. Para cada um dos dicionários analisados, verificamos a presença dos neologismos hiperinflação (e derivados), tucano (e derivados), peessedebismo/peessedebista, petismo/petista, fake e fake news (estes últimos de difusão mais recente no Brasil), bem como a inserção de elementos morfológicos formadores de neologismos (o prefixo super- e os sufixos -ismo e -ista). Os resultados indicam que os dicionários com correspondente versão impressa aparentam ser mais criteriosos na inserção de neologismos; já os dicionários inteiramente online introduzem quantitativamente mais neologismos, embora pareçam menos rigorosos em seus critérios. Destacamos também que, para a inclusão de um neologismo nos dicionários, o critério da frequência deve ser aliado ao critério da sua relevância histórico-social.
palabras chave: neologia; inclusão de neologismos em dicionários; dicionários online; lexicografia.
Resumen
En este trabajo buscamos verificar la inclusión de un conjunto de neologismos en cinco de los más importantes diccionarios en línea del portugués brasileño contemporáneo. Para este análisis, seleccionamos neologismos que se generalizaron en el portugués brasileño a partir de la década de 1990, neologismos que consideramos representativos del período histórico estudiado. Tres de estas obras constituyen versiones en línea de diccionarios previamente publicados en papel, considerados bastante representativos del portugués brasileño: el Grande Dicionário Houaiss, el Dicionário Caldas Aulete y el Dicionário Michaelis. Las otras dos obras solo tienen versiones en línea y son más recientes, es decir, tienen menos tradición: el Dicionário inFormal (una obra íntegramente escrita por usuarios) y el Dicio.com.br. Para cada uno de los diccionarios analizados, verificamos la presencia de los neologismos hiperinflação (‘hiperinflación’) (y derivados), tucano (‘tucán’) (y derivados), peessedebismo/peessedebista (‘ideología del PSDB’/ ‘partidario del PSDB’), petismo/petista (‘ideología del PT’ / ‘partidario del PT’), fake y fake news (este último de más reciente difusión en Brasil), así como la inserción de elementos morfológicos que forman neologismos (el prefijo super- y los sufijos -ismo e -ista). Los resultados indican que los diccionarios con su correspondiente versión impresa parecen ser más cuidadosos a la hora de incluir neologismos; los diccionarios totalmente en línea introducen cuantitativamente más neologismos, aunque parecen menos rigurosos en los criterios empleados. Destacamos también que, para la inclusión de un neologismo en los diccionarios, se debe combinar el criterio de frecuencia con el criterio de su relevancia histórico-social.
palabras chave: neología; inclusión de neologismos en diccionarios; diccionarios en línea; lexicografía.
Abstract
In this work, we sought to verify the inclusion of a set of neologisms in five of the most important online dictionaries of contemporary Brazilian Portuguese. For this analysis, we selected neologisms that became widespread in Brazilian Portuguese from the 1990s onwards, which we consider representative of the historical period studied. Three of these works constitute online versions of dictionaries previously published on paper and are considered quite representative of Brazilian Portuguese: the Grande Dicionário Houaiss, the Dicionário Caldas Aulete and the Dicionário Michaelis. The two other works only present online versions and are more recent, with less tradition: the Dicionário inFormal (a work entirely written by users) and the Dicio.com.br. For each of the dictionaries analyzed, we verified the presence of the neologisms hiperinflação (and its derivatives), tucano (and its derivatives), peessedebismo/peessedebista, petismo/petista, fake and fake news (the latter of more recent dissemination in Brazil), as well as the insertion of morphological elements that form neologisms (the prefix super- and the suffixes -ismo and -ista). The results indicate that dictionaries with a corresponding printed version appear to be more careful when inserting neologisms; fully online dictionaries introduce quantitatively more neologisms, although they seem less rigorous in their criteria. We also highlight that, for the inclusion of a neologism in dictionaries, the frequency criterion must be combined with the criterion of its historical-social relevance.
keywords: neology; inclusion of neologisms in dictionaries; online dictionaries; lexicography.
1. Introdução
As relações entre dicionários e neologia têm sido reconhecidas e enfatizadas por diferentes autores e, não raro, são citadas nas introduções de diferentes dicionários, sobretudo nas segundas ou posteriores edições de uma obra, uma vez que as novas edições de dicionários costumam incluir novas palavras, que representam os avanços da sociedade. Como exemplo, podemos citar a introdução da quarta edição do Novo Diccionário da Língua Portuguesa de Candido de Figueiredo: “esta quarta edição [...] regista pela primeira vez muitos centenares de vocábulos, colhidos uns em obras de escritores exemplares, e recebidos outros da linguagem falada de diferentes regiões de Portugal e do Brasil” (1925, p. V). Da mesma forma, a segunda edição do dicionário de Ferreira (1986, p. VIII) afirma em seu prefácio:
Oferecemos ao leitor a 2ª edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, atualizada, totalmente revista e 35% mais copiosa que a primeira. O número de autores e de obras citadas em abonações elevou-se, respectivamente, a cerca de mil e duas mil. Novos colaboradores, e novas matérias, como, por exemplo, Informática, Teoria Literária, Comunicação, Genética, foram introduzidas.
No entanto, os critérios para a introdução de unidades lexicais novas, ou neologismos, não costumam ser claramente explicitados ou justificados, como também nem sempre as novas palavras foram bem acolhidas pelo público mais purista, em diferentes línguas. A esse respeito, um artigo do quebequense Jean-Claude Boulanger (1986, p. 9), notável estudioso da neologia, revela alguns fatos que, apontados para a língua francesa, mas possíveis de serem aplicados a outras línguas, como o português brasileiro, explicitam esse não acolhimento:
A relutância e a resistência observadas em relação à neologia entre a maioria dos usuários gerais e profissionais da língua também têm a sua razão de ser na injustificável e total ausência de pedagogia no que diz respeito à neologia. Raramente a criatividade lexical foi abordada de forma plena e saudável na universidade. Quanto ao nível préuniversitário, é melhor não se aventurar em investigá-lo. O vazio pedagógico é quase completo no mundo francófono, exceto por algumas tentativas teóricas parciais e esparsas. Não há nada sistematicamente organizado. A perspectiva histórica revela obviamente as várias razões mais ou menos admissíveis que justificariam um comportamento pedagógico conservador e tradicional, comportamento este sujeito a restrições ideológicas que muitas vezes não têm nada a ver com a linguística. Hoje, o estado atual das pesquisas científicas e do ensino universitário permite uma abertura que anuncia dias melhores. Com efeito, a sensibilização à neologia e às palavras novas é muito maior do que antes e essas pesquisas atraem cada vez mais pesquisadores e professores de calibre universitário. O futuro parece bastante positivo nesse aspecto. Idealmente, é desejável que o arsenal de meios de criação lexical seja disponibilizado aos estudantes da forma mais rápida e razoável possível. Um conhecimento mínimo dos mecanismos de formação de palavras é necessário, da mesma forma que se exige dos falantes a aprendizagem e o domínio de um mínimo de regras gramaticais. O purismo, uma lexicografia demasiado tradicional e uma pedagogia conservadora têm há muito impedido a neologia de se afirmar como um recurso linguístico de valor inegável para o enriquecimento da língua francesa. Felizmente, essas influências negativas foram hoje atenuadas e abrandadas, permitindo pressagiar um futuro não negligenciável para a neologia, que merece certamente adquirir o estatuto de disciplina linguística reconhecida.1
O tom otimista expresso por Boulanger, em relação à consideração mais positiva relativamente às criações lexicais, em períodos mais contemporâneos, pode ser aplicado ao contexto do português brasileiro. O desenvolvimento científico, as novidades tecnológicas, a comunicação pelas redes sociais, dentre outros fatores, ensejam novas criações por todos os falantes, demonstrando que a criatividade neológica não é restrita apenas aos falantes cultos, mas é praticada por todos os usuários de uma comunidade de fala.
Entendemos por neologismo uma unidade lexical considerada nova na língua em estudo, seja do ponto de vista de sua estrutura morfológica, seja do seu significado (como nos neologismos semânticos). No âmbito do projeto de pesquisa Observatório de neologismos do português brasileiro contemporâneo (TermNeo)2, o critério metodológico de identificação de neologismos baseia-se no emprego de um corpus de exclusão formado pelos principais dicionários do português brasileiro, prática bastante usual nos estudos de neologia.
Um neologismo poderá vir a integrar os dicionários, a depender de sua “dicionariabilidade” (em espanhol diccionariabilidad), conceito esse tratado por diversos autores que estudam o tema, tais como Bernal, Freixa e Torner (2020). Nesse estudo, os autores abordam diferentes critérios que têm sido usados para a inserção de novas unidades lexicais em um dicionário. Como critério costumeiramente utilizado, salientam a frequência, que apresentam como critério básico segundo a opinião de vários autores. Referem-se ainda à complexidade desse critério, que não deve ser levado em conta isoladamente mas em correlação com outros, como o emprego em diferentes gêneros e a estabilidade de uso, bem como a extensão geográfica.
Em um trabalho anterior, Sánchez Manzanares (2013) propõe o estabelecimento de uma variável, o valor neológico, para mensurar a integração ou não-integração de novas unidades lexicais em um dicionário. Essa variável está sujeita à condição de difusão do uso da nova unidade lexical e deve conjugar-se com outra, também importante, que é representada pela necessidade denominativa.
Neste artigo, com base nos principais dicionários online do português brasileiro, procuramos identificar os critérios relativos à inserção de novas unidades lexicais em suas nomenclaturas. Escolhemos para análise cinco dicionários, que consideramos os mais importantes dentre os disponíveis online atualmente. As obras analisadas são de diferente natureza. Três delas constituem dicionários tradicionais, que também apresentam versão em papel: Grande Dicionário Houaiss (GDH), Dicionário Caldas Aulete (AUD), Dicionário Michaelis (MDB). Já o Dicionário informal (DIF) e o Dicio.com.br (DCB) são obras com história recente, que não apresentam versões impressas. Os neologismos estudados foram buscados nos dados identificados no âmbito do já citado Projeto TermNeo.
O artigo está dividido em quatro partes. Nesta primeira, de caráter introdutório, são apresentados os objetivos do estudo e alguns conceitos teóricos que embasam a discussão. A segunda parte é reservada à descrição da metodologia e dos neologismos escolhidos para a análise. Na terceira parte, descrevemos cada um dos dicionários analisados e verificamos a introdução de unidades lexicais de caráter neológico nessas obras. A quarta parte apresenta as conclusões.
2. Metodologia e descrição dos neologismos escolhidos
A metodologia utilizada neste trabalho implicou três critérios: o processo de formação neológica, a frequência e a representatividade das unidades lexicais selecionadas. Em função desses aspectos, selecionamos algumas unidades lexicais neológicas que se revelaram muito frequentes na base de dados do Projeto TermNeo. Além do critério da frequência, foram também consideradas as unidades lexicais neológicas mais representativas e indicativas de mudanças sociais importantes que ocorreram no período em que surgiram. Em outros termos, os neologismos estudados foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: alta frequência na base de dados, em comparação com a de outras unidades lexicais; importância da unidade lexical do ponto de vista social, no período abrangido; e unidades lexicais representativas de diferentes processos de formação neológica (derivação prefixal, derivação sufixal, neologismo semântico e estrangeirismo).
Essa importância do ponto de vista social relaciona-se aos estudos de Georges Matoré, lexicólogo francês que, na importante obra La méthode en Lexicologie (Matoré, 1953, p. 6370), apresentou os conceitos de mot-clé (palavra-chave) e mot-témoin (palavra-testemunha), relativos à introdução de unidades lexicais inovadoras e relevantes, em um determinado período, para designarem as mudanças que vão ocorrendo em uma sociedade.
De acordo com Matoré (1953), é no âmbito de um champ notionnel (campo nocional) que podemos detectar as palavras-testemunhas de um período. Dentre os exemplos destacados pelo autor, citamos o nascimento da unidade lexical magasin (loja), representativa de uma nova concepção de comércio, pois implica o período —a partir de 1820-1925— em que os comerciantes passaram a comprar mercadorias diretamente dos fabricantes e a depositá-las e expô-las em um lugar fixo, denominado magasin. Matoré exemplifica as palavras-chave de um campo nocional, sempre numerosas, por meio de bourgeois (burguês), a palavra-chave principal, e das palavras-chave secundárias prolétaire (proletário) e artiste (artista).
Com base nessa perspectiva social apresentada por Matoré, diferentes estudos têm procurado detectar as unidades lexicais mais representativas de um determinado período da sociedade, a exemplo do estudo recente de Jacquet-Pfau e Kacprzak (2022), que identifica algumas palavras-testemunhas relativas à pandemia do coronavírus em um estudo contrastivo francês-polonês, tais como coronanxiété, coronaphobie, covidisme, covidisé etc.
No âmbito de nosso estudo, selecionamos algumas unidades lexicais, presentes na base de dados do Projeto TermNeo e observadas a partir de 1993, que foram ou ainda são bastante representativas da sociedade brasileira, constituindo-se, assim, em palavras-testemunhas. São elas:
a. hiperinflação (derivado prefixal) e seus derivados (hiperinflacionário/-a, hiperinflacionado/-a): característicos do momento político-econômico vivido no Brasil sobretudo no início da década de 1990, que se refere à inflação do período, por vezes superior a 80% ao mês:3
b. tucano/-a (neologismo semântico — 149 ocorrências no corpus) e derivados, não raro pejorativos (a exemplo de tucanada — 4 ocorrências, tucanagem — 2 ocorrências, tucanaiada — 1 ocorrência, tucanalha — 3 ocorrências, tucanália — 2 ocorrências, tucanão — 2 ocorrências, tucanato — 102 ocorrências, tucanês — 3 ocorrências): originalmente designativo do nome de uma ave típica da fauna brasileira4, tucano passa também a referir-se ao partido político Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que tem essa ave como símbolo. Os políticos membros do partido (um dos partidos de maior importância no Brasil desde 1980) são os peessedebistas (2 ocorrências no corpus), membros do peessedebismo, porém, mais comumente, são chamados de tucanos:
c. petismo (6 ocorrências no corpus), petista (2 ocorrências no corpus) (derivados sufixais): referentes ao Partido dos Trabalhadores (PT), um dos mais importantes partidos políticos brasileiros da atualidade (desde 1980):
d. fake (10 ocorrências no corpus), fake news: o anglicismo fake já é atestado na base de dados do projeto TermNeo desde 1993, com o sentido de ‘falso, falsificado, fabricado, não natural’, conforme atesta a citação:
Mais recentemente, sobretudo a partir da década de 2010, passou a ser empregado na forma sintagmática fake news, em escala mundial, inclusive no Brasil, para se referir a informações falsas divulgadas como sendo notícias verdadeiras, com objetivos fraudulentos:
Dessa forma, essas unidades lexicais, neológicas no período em que foram inicialmente empregadas, são representativas de um período da história brasileira e exemplificam o conceito de palavra-testemunha, de acordo com a concepção de Matoré (1953). Além dessas, os dados do projeto TermNeo possibilitaram também a identificação de alguns dos formantes afixais mais empregados na criação neológica do português brasileiro, dentre os quais os mais frequentes foram selecionados para a verificação de sua presença ou ausência nos dicionários analisados. São eles:
a. super-, o prefixo mais frequente na formação de neologismos no português brasileiro contemporaneamente, segundo os dados do mencionado projeto (Alves, 2007), é definido pelo Dicionário Houaiss como prefixo culto e originário da preposição e advérbio latino super (‘sobre, em cima de, por cima de; além de, acima de; durante; a respeito de, por causa de, por meio de; em cima, por cima; além disso; sobremodo, demais’).5
No português brasileiro, o prefixo tem formado substantivos, adjetivos e também alguns verbos e advérbios, como atesta o Dicionário Houaiss, que registra substantivos (supercampeonato, supercélula, supermãe, supermortalidade), adjetivos (superdesenvolvido, super-humano, supermoderno) e também verbos (superdimensionar, superexcitar, superfaturar, superoxidar) e advérbio (superbém). Os dados do projeto TermNeo atestam também essas diferentes formações, dentre as quais se destacam as nominais, do ponto de vista quantitativo, mas são igualmente observados alguns verbos e mesmo um advérbio, conforme exemplificamos a seguir:
Do ponto de vista do significado, observa Rio-Torto (1987, p. 366) que super-,
[…] quando se agrega a substantivos, tende a assumir valor atributivo, de natureza dimensional (supermercado ‘mercado de grandes dimensões; mercado grande’; maxi, mini-) e/ou qualificante (super-idéia). Quando se combina com adjectivos ou com verbos, o prefixo assume valor adverbial: hipergrande ‘muitíssimo, imensamente, excessivamente xb’.
Os exemplos apresentados atestam esses diferentes valores: em superpizza, o prefixo atribui o caráter de grande dimensão ao substantivo pizza = ‘pizza muito grande’; o prefixo assume valor adverbial nos adjetivos supermoderna e supercaída (‘muito, imensamente moderna’ e ‘muito, imensamente caída’), assim como no verbo superacho (‘acho muitíssimo’).
b. -ismo, -ista: constituem dois dos sufixos mais frequentes do português brasileiro. O sufixo -ismo apresenta, em geral, o significado de ‘movimento social, ideológico; doutrina; etc.’, enquanto o sufixo -ista tem, entre outros, o significado de ‘partidário de movimento ou doutrina’. Não raro integram unidades lexicais correlacionadas, a exemplo das que observamos, no contexto a seguir —anti-sincretismo e anti-sincretista—, que significam, respectivamente, ‘posição contrária à fusão de diferentes cultos’ e ‘aquele que é contrário à fusão de diferentes cultos’:
3. Descrição e análise dos dicionários
3.1. Grande Dicionário Houaiss [GDH]
Trata-se da versão online do Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss; Villar, 2001). Lemos, na apresentação do dicionário, que essa edição, denominada Grande Dicionário Houaiss, “é fruto de onze anos de revisão e incorporação de novos dados ao primeiro conjunto de textos lançado em 2001. Nela o campo dos significados foi consideravelmente apurado quanto à sua exatidão e clareza”. O texto introdutório também refere que, relativamente à primeira edição,
centenas de milhares de alterações foram introduzidas em todos os elementos componentes do dicionário, das definições às transcrições fonéticas, das datações à bibliografia de suas fontes, da incorporação aos verbos das partículas mais usuais de suas regências à revisão das etimologias e das entradas de elementos mórficos, da inclusão ou modificação de informações nas homonímias e paronímias à revisão do léxico e das descrições específicas de diversas especialidades científicas e técnicas, como a biologia, a ecologia, a física, a astronomia, a informática, a zoologia, a botânica etc., pela considerável dinâmica que seus termos e conceitos, em rápida expansão, apresentam no mundo de hoje.
O Grande Dicionário Houaiss constitui uma obra referencial da lexicografia brasileira contemporânea. Em relação aos neologismos analisados, essa obra registra a maior parte deles. Registra hiperinflação (inclusive com uma segunda acepção na medicina, remetendo para hiperventilação) e hiperinflacionário/-a (mas não hiperinflacionado/-a), porém sem referência ao momento histórico da década de 1980 no Brasil. Também inclui peessedebismo e peessedebista, petismo e petista, derivados a partir de siglas. No entanto, não registra a acepção política de tucano nem nenhum de seus derivados, sendo a única obra dentre as analisadas aqui que apresenta essa lacuna.
O Grande Dicionário Houaiss também registra o estrangeirismo fake news, remetendo para o verbete desinformação. No entanto, não apresenta o adjetivo fake.6
Os verbetes dos elementos mórficos super- e -ismo são muito detalhados e ricos em exemplos. O verbete super- traz uma explicação a respeito de sua origem e seus empregos, mas poucos exemplos neológicos. Ao pesquisar palavras iniciadas por super-, foi possível identificar algumas palavras de criação recente que esse dicionário já registra, tais como superbactéria, superbike, supercampeão, supercampeonato, supercélula, supergrande, supermoderno/-a, superplástico/-a (adjetivo), supersafra, supersecreto, supervaidade, supervaidoso/-a.
O verbete -ismo também apresenta a explicação sobre sua origem e seus empregos, inclusive sua correlação com -ista e -ístico. Ao final, traz mais de trinta linhas de exemplos, bem mais do que o de super-, mas nem todos neológicos. Alguns deles: getulismo, peronismo, puxa-saquismo etc. Já o verbete -ista apenas remete para -ismo, sem nenhuma exemplificação.
Assim, pode-se observar que o Grande Dicionário Houaiss apresenta preocupação com a descrição de elementos mórficos e também se mostra atualizado ao registrar fake news, neologismo de difusão recente no Brasil. Porém, surpreende o fato de um dos mais importantes dicionários brasileiros não registrar a acepção política de tucano, neologismo largamente difundido na imprensa brasileira já há algumas décadas.
3.2. Dicionário Aulete (AUD)
Inicialmente publicado em Portugal no final do século xix, em dois volumes (com autoria póstuma do filólogo Francisco Caldas Aulete e completado por António Lopes dos Santos Valente), e depois com a primeira edição brasileira em 1950 (organizada por Hamilcar de Garcia), em cinco volumes, o Dicionário Caldas Aulete apresentou, em 2004, uma versão míni com dados atualizados, que foi um dos dicionários selecionados para serem distribuídos em turmas de ensino fundamental em escolas públicas brasileiras. Uma primeira versão informatizada foi apresentada na Internet em agosto de 2007, para cuja ampliação o público foi convidado a colaborar. Em outubro do ano seguinte, foi lançada a primeira versão web, denominada idicionário Aulete, com acesso livre a todos os interessados. Segundo os dados disponíveis em seu site, o dicionário apresenta mais de 818 mil verbetes, definições e locuções em permanente atualização.
De forma bastante original e útil, o dicionário permite que o usuário consulte a versão anterior do verbete, idêntica à edição impressa de 1950 (obviamente, apenas para os casos em que há essa versão, não estando disponível no caso dos verbetes incluídos mais recentemente). Como exemplo, observe-se o caso de polaca, que, na sua versão original, apresenta a acepção ‘Meretriz estrangeira’, acepção essa que, no verbete atualizado, já está acompanhada da rubrica “antiquado” (visto se tratar, evidentemente, de acepção já não mais usada):
Figura 1. Verbete polaca original no dicionário Aulete Online
Figura 2.Verbete polaca atualizado no dicionário Aulete Online
Quanto aos registros dos neologismos analisados, o AUD registra tanto hiperinflação quanto os derivados hiperinflacionário/-a e hiperinflacionado/-a (sendo o único, dentre os analisados, que registra este último derivado), também sem fazer referência aos fatos históricos no verbete.
Em relação a tucano, registra duas acepções, de números 7 e 8: “7. Bras. Pol. Ref. ao ou do PSDB (ideologia tucana). 8. Bras. Pol. Que é membro do PSDB: Deputada tucana nega quebra de decoro.” Obviamente, por serem neológicas, quando se clica no “verbete original” para tucano, essas acepções não estão presentes.
Não constam derivados como tucanês, tucanismo ou tucanalha, mas há tucanar, definido como “Tornar(-se) partidário dos tucanos, membros do PSDB, partido político brasileiro”. Já os neologismos peessedebismo e peessedebista não estão registrados, mas há petismo e petista, talvez porque esses dois últimos sejam de fato mais empregados do que os dois primeiros.
Também não registra nem fake nem fake news, possivelmente por serem neologismos de difusão mais recente no Brasil, observando-se, assim, que as atualizações nem sempre acompanham a difusão das novas unidades lexicais e das novas acepções.
Em relação aos prefixos, registra super-, como “verbete original” (ou seja, idêntico à versão impressa anterior, sem atualizações), sem nenhum exemplo de neologismos formados com esse prefixo. Como não há o acesso à nomenclatura completa do dicionário, não é possível a verificação do registro de outros derivados com super-.
Já em relação ao sufixo -ismo, o dicionário apresenta um verbete atualizado e trazendo numerosos exemplos (nem todos de conhecimento do público contemporâneo), tais como aciolismo, getulismo, salazarismo (na política), e outros mais contemporâneos, como esqueitismo (no esporte), umbandismo (na religião) etc. No caso de -ista, o verbete também é atualizado, mas com menos exemplos, nenhum deles de caráter propriamente neológico.
Fica evidente que o AUD procura manter-se atualizado, conforme se observa pelo registro de tucano (com o derivado tucanar) e de petismo/petista. Também se nota certa preocupação em atualizar os verbetes dos sufixos -ismo e -ista. Porém, observa-se que foi dada maior atenção a certos aspectos (especialmente a política das décadas de 2000 e 2010) e menor a outros (como a ausência de fake news e a falta de atualização no caso de super-).
3.3. Michaelis (MDB)
Também é a versão online de um dicionário impresso, o Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, publicado pela editora Melhoramentos em 1998. A versão online está disponível gratuitamente e, segundo o texto de apresentação, foi finalizada em 2015, com aproximadamente 167 mil verbetes.
Em relação à inserção de neologismos, o texto afirma:
Entre os novos vocábulos constam sugestões recebidas de consulentes, muitas através da campanha “O Português é seu”, em parceria com o UOL. Foram registrados termos que surgiram com o desenvolvimento das ciências e da tecnologia e novas palavras utilizadas nos mais variados meios de comunicação, além de regionalismos, coloquialismos e gírias. Importante registrar que a elaboração de verbetes das várias áreas de conhecimento contou com a assessoria de especialistas.
No que concerne aos neologismos aqui analisados, o MDB registra tanto hiperinflação (indicado como composto do grego hyper + inflação) como hiperinflacionário/-a (indicado como derivado de hiperinflação + n + ário), mas não hiperinflacionar ou hiperinflacionado/-a. Assim como nos demais casos, não há referência ao momento histórico de hiperinflação no Brasil.
Também registra a acepção política de tucano (“Que ou aquele que é político ou partidário do PSDB, partido que tem essa ave como símbolo”), bem como os seguintes derivados:
Tanto a acepção de tucano como esses derivados são marcados com a rubrica “coloquial”. Com exceção do DIF, este é o dicionário que registra o maior número de derivados de tucano na acepção política.
Em relação aos derivados das siglas de partidos, o MDB também registra peessedebismo e peessedebista (aqui, com a rubrica “política”, e não mais “coloquial”). Interessantemente, registra petista, mas não petismo.
Os estrangeirismos fake e fake news não constam do MDB. Assim, pode-se concluir que a sua atualização não levou em conta as características mais recentes da língua. Essa ausência pode ser explicada pelo fato de que o dicionário afirma ter sido atualizado até o ano de 2015, visto que fake news passou a ter maior frequência em período mais recente. Também não registra entradas para elementos morfológicos, como o prefixo super- ou os sufixos -ismo e -ista. Como não é possível acessar a nomenclatura completa do dicionário, não pudemos identificar outros neologismos formados com esses elementos.
Ficou evidenciado que o MDB é bastante coerente no registro dos neologismos referentes a tucano e derivados e aos partidos políticos (com exceção de petismo). Conforme informado na apresentação, foi atualizado até 2015, não registrando fake news, que é de difusão posterior a essa data.
3.4. Dicionário informal (DIF)
O DIF é um dicionário totalmente online e de criação coletiva, idealizado para que qualquer pessoa possa incluir um verbete e uma definição. Dessa forma, por não haver curadoria de especialistas, as definições não seguem um padrão. É provavelmente inspirado no Urban Dictionary, dicionário da língua inglesa que tem a mesma proposta. Devido a essas características, pode incluir muitos neologismos considerados “da moda” ou às vezes pouco frequentes.
Talvez para se resguardar de processos judiciais, esse dicionário traz os nomes dos usuários que incluíram as definições, bem como as datas de inclusão. Essa última informação é particularmente interessante para o estudo dos neologismos.
O DIF também tem o recurso de permitir o acesso a toda a nomenclatura da obra, ao clicar nas letras abaixo da caixa de pesquisa, conforme se observa na figura 3:
Figura 3. Início da lista de verbetes com a letra C no Dicionário inFormal
Curiosamente, aparecem no dicionário também alguns registros de formas flexionadas, tais como verbetes para sabia (definido como “Primeira pessoa do Pretérito imperfeito do indicativo do verbo saber”), saberão (definido como “Flexão de saber. Que vão saber, ser informados, conhecidos”) etc.
Assim, não é propriamente uma obra em que é possível analisar os critérios adotados, visto que o único critério é o desejo dos usuários de incluírem determinado verbete. No entanto, o interesse na obra é verificar se determinado neologismo foi sentido pelos falantes como “merecedor” de uma definição.
É muito comum, nesse dicionário, encontrarmos duas ou mais definições sinônimas, de modo que a existência de mais de uma definição não indica necessariamente que a palavra é polissêmica. Isso se deve ao fato de que os usuários, ao adicionarem uma nova definição, nem sempre se preocupam em verificar se ela já foi incluída.
Assim, o DIF registra duas definições sinônimas para hiperinflação: 1. “Aumento muito rápido dos preços de um país, provocando rejeição crescente da moeda” (inserida em 2008); e 2. “[Econ.] Inflação acentuada, com índices muito elevados ou fora de controle” (inserida em 2016). As duas definições trazem exemplos de uso, cujas fontes não são indicadas, mas podem fazer referência ao momento histórico vivido no Brasil:
Figura 4. Verbete hiperinflação no DIF
O DIF não registra os derivados hiperinflacionário/-a e hiperinflacionado/-a. Pode-se supor que os usuários não tenham sentido a necessidade de incluir os adjetivos, tendo em vista que o substantivo já está registrado.
Em relação aos neologismos ligados a partidos políticos, o DIF evidencia reflexões importantes. Aparecem três definições para tucano referentes ao PSDB:
Definição 3 (de 2010): “Individuo [sic] filiado ao PSDB”;
Definição 5 (de 2014):
Direitista, fascista, republicano, elitista afiliado ao PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), geralmente com ideologias menos humanistas, contrários à ideologia socialista e à [sic] favor de um regime de desigualdade social. Possui ideias muito semelhantes as [sic] dos nazistas, fascistas, republicanos, elitistas e são necessariamente parte da direita política.
Definição 6 (de 2016): “Integrante, filiado ou eleitor de políticos do PSDB”.
Assim, fica evidente que a definição 5, para além de apresentar o significado próprio do neologismo, aproveita o “espaço” do dicionário para trazer a sua própria opinião política a respeito do partido.
Essa característica de usar o dicionário como forma de protestar ou se manifestar politicamente é ainda mais evidente nos derivados. No verbete tucanar, há duas definições (de números 1 e 3, ambas de 2012) que informam que tucanar significa “roubar” (ou seus sinônimos), numa clara crítica política. Já a segunda definição (de 2011) traz a acepção empregada pelo humorista José Simão: “formular declarações fazendo com que o sentido das mesmas se tornem inócuas [sic], utilizando recursos dialéticos que vão do barroco mineiro ao rococó francês”. O humorista José Simão usa o verbo com esse sentido, aludindo ao discurso tergiversado característico de alguns políticos do PSDB.
Além de tucanar, são registrados no dicionário os seguintes derivados, todos eles com algumas de suas definições trazendo conteúdos de crítica política: tucanato, tucanalha, tucanento, tucanismo, tucanista. Há ainda vários outros derivados, alguns claramente inventados apenas como forma de crítica política, como tucanistãoismo, tucanistãoista, tucanobolsominion, tucanobolsonarista, tucanopetismo, tucanopetista, tucanopetralha, tucanorrice etc.
Curiosamente, as definições para peessedebismo e peessedebista já não trazem esse conteúdo de crítica política. Assim, peessedebismo traz a seguinte definição (de 2020): “Também chamado de tucanismo, é o conjunto das doutrinas e do pensamento político do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)”; peessedebista, por sua vez, tem por definição (de 2008): “Pessoa ou grupo de pessoas que são filiados ao PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)”. Dessa forma, pode-se perceber que os próprios usuários já atribuem a peessedebismo e peessedebista um sentido mais “neutro”, como se não fossem bons verbetes para se fazer crítica política.
O mesmo não se pode dizer de petista, que traz na sua primeira definição (de 2007) uma crítica política: “Bandido, canalha, ladrão, corrupto pertencente ao Partido dos que se dizem Trabalhadores [...]”. Da mesma forma, em petismo há diversas definições com críticas ferrenhas ao Partido dos Trabalhadores, das quais transcrevemos uma (de número 9, de 2007):
Modus vivendi (maneira de viver) de pessoas preguiçosas, sem caráter e que querem se dar bem às custas de outras. São burgueses parasitas do capital alheio. Fazem tudo para não perderem a mamata do poder.
O estrangeirismo fake está presente com nove definições, em todas associado à ideia de ‘falso’, em especial se referindo a perfis falsos em redes sociais (com exceção da definição de número 6, claramente redigida como forma de gozação: “fake dói” = “feio que dói”). A expressão estrangeira fake news também está registrada, sendo definida como “notícia falsa”; aparece ainda com a grafia fakenews, mas nesse caso há, novamente, uma definição com crítica política: “tudo aquilo que vai de encontro aos interesses do PT”.
Em relação aos elementos mórficos, interessantemente, o DIF registra um verbete para o sufixo -ismo, definido como “sufixo formador de substantivos abstratos (ex.: alcoolismo, liberalismo)”, mas não para -ista.
Já em relação a super, há quatro definições para esse verbete, mas três delas se referem ao mesmo sentido (o que mostra novamente que os usuários incluem verbetes sem verificar se já não há outros para as mesmas acepções). Assim, uma das definições é “Palavra que define capacidades especiais de seres humanos”, dando os exemplos de “super man”, “super heróis”; as outras três apenas trazem super correspondendo a um sinônimo de “muito”, com exemplos como “super fofos”, “super lindo”. Isso parece indicar que, pelo menos nessas acepções do prefixo, os falantes tendem a considerá-lo não como um prefixo, mas como uma forma livre.
Como é possível verificar a nomenclatura completa do dicionário, observou-se que há várias entradas neológicas com super-. Algumas delas são: super à pampa (expressão idiomática), super hétero, superabençoado, superatrasado, superbactéria, superendividar, supermoléculas etc.
O DIF, como já mencionado, não apresenta nenhum tipo de curadoria em relação aos seus verbetes. Assim, se é possível falar em “critério”, parece haver a tendência de os usuários inserirem neologismos e definições como forma de protestar politicamente, em especial relativamente aos derivados. Por exemplo, mesmo que tucano seja definido como sinônimo de peessedebista, os derivados tucanar, tucanalha etc. já apresentam carga de protesto. Assim, nota-se a presença de diversos neologismos de caráter político. No caso de neologismos sem tanta carga política recente, como hiperinflação, não se nota essa necessidade de protestar.
3.5. Dicio.com.br (DCB)
O Dicio - Dicionário Online do Português informa, em seu website, tratar-se do “maior e mais completo dicionário on-line de português contemporâneo”.7 Apesar de ser mantido por uma empresa portuguesa (a empresa 7Graus, com sede no Porto), apresenta suas definições e todos os textos do website escritos em português brasileiro. Em relação ao número de verbetes, em vez de trazer um número exato ou aproximado, informa apenas que “é composto por uma infinidade de palavras que, tendo em conta a evolução da língua e da sociedade, são atualizadas diariamente”. Não é informado o tipo de unidades lexicais que registra, de modo que se fazem necessárias consultas mais minuciosas para se chegar a essas informações.
No verbete hiperinflação (definido como “Inflação monetária vertiginosa”), o DCB traz exemplos extraídos do jornal Folha de S. Paulo, que fazem referência à hiperinflação vivida na década de 1980, bem como a situações semelhantes em outros países. Assim, é o único dos dicionários analisados que traz uma referência clara e explícita ao momento histórico do qual hiperinflação pode ser considerada uma palavra-chave. No entanto, não registra os derivados hiperinflacionário/-a e hiperinflacionado/-a.
Em relação a tucano, além das acepções referentes à ave e ao povo indígena, essa unidade lexical é registrada apenas como adjetivo, com a definição “[Política] Que se refere aos tucanos, membros do partido político PSDB” e uma segunda acepção “Associado a esse partido”. Também traz exemplos extraídos do jornal Folha de S. Paulo, todos se referindo à acepção política. No entanto, não registra nenhum derivado referente a essa acepção.
O DCB não registra nem peessedebista nem peessedebismo. Ao pesquisar por peessedebista, o website encontra um parônimo e indaga ao usuário: “Será que quis dizer peemedebista?” (com o link para o verbete sugerido). A pesquisa por peessedebismo remete, da mesma forma, aos parônimos pessebismo (do PSB) e petebismo (do PTB). Assim, é possível identificar que o DCB registra outros derivados de siglas de partidos, inclusive de partidos com menor projeção do que o PDSB.
Também registra petista (com a definição “Tudo que pode estar vinculado ao Partido dos Trabalhadores”), mas não petismo.
O estrangeirismo fake aparece registrado com a rubrica “Neologismo”, com duas acepções: “De teor mentiroso, não genuíno nem verdadeiro; falso: notícias fakes”; “Que dissimula suas reais intenções ou se mostra de uma maneira que não é; mentiroso: pessoa fake”. No mesmo verbete, o dicionário inclui como subentrada a expressão fake news: “Expressão do inglês que significa literalmente notícias falsas: candidato insiste em espalhar fake news sobre seus adversários políticos”. Ao contrário dos verbetes mencionados anteriormente, aqui não há exemplos extraídos da imprensa.
Contudo, a expressão estrangeira fake news aparece duas vezes nessa obra. Para além dessa subentrada em fake, também é registrada como entrada independente, com a seguinte definição:
Notícias falsas ou informações mentirosas que são compartilhadas como se fossem reais e verdadeiras, divulgadas em contextos virtuais, especialmente em redes sociais ou em aplicativos para compartilhamento de mensagens.
Há também um comentário, em seguida: “O termo Fake News, embora largamente usado, ainda não foi formalmente integrado à lista de palavras da Língua Portuguesa, tratando-se portanto de um estrangeirismo”.
O DCB não apresenta verbetes para os sufixos -ismo ou -ista. Já no caso de super-, há, sim, um verbete para o prefixo: “Prefixo que indica acima ou excesso; que ocupa uma posição superior; que demonstra proeminência, superioridade: super-humano”, com a informação gramatical “[Gramática] Acrescenta-se o hífen quando o segundo elemento se iniciar por h ou r: super-herói, super-realista”.
Ao contrário do DIF, não é possível acessar a lista completa da nomenclatura do dicionário, o que impossibilita a verificação de todos os verbetes com super-. Ao digitar parte do verbete pesquisado, o dicionário traz uma lista de alguns dos verbetes iniciados com o trecho digitado, de modo que, ao digitar SUPERA-, SUPERB-, SUPERC- etc., é possível verificar a inclusão de alguns verbetes com super-, tais como superbomba, superdose, superherói, supermodelo, superpoder, superstar.
Dessa forma, em relação ao DCB, observou-se que há certa incoerência ao registrar pessebismo e petebismo mas não petismo nem peessedebismo; a mesma incoerência há em registrar petista e peemedebista mas não peessedebista. Talvez haja um critério, não explicitado, ligado à frequência, visto que peessedebista é menos utilizado do que seu quase-sinônimo tucano.
Observa-se a preocupação em registrar fake news com uma definição muito atual e até mesmo com um exemplo ligado ao contexto das eleições; mas informações diferentes são encontradas em dois verbetes separados (um como entrada fake news e outro como subentrada de fake), o que parece indicar uma falta de uniformização.
No caso de hiperinflação e de tucano, há muitos exemplos extraídos do jornal Folha de S. Paulo, mas o mesmo não acontece nos outros casos. Não se sabe qual é o tipo de relação entre o dicionário e o jornal, mas talvez a presença frequente de certos neologismos nesse jornal pode ter levado as autoras a incluí-los.
Observa-se também que não há uma sistematização na inclusão de elementos morfológicos: inclui-se o prefixo super- mas não os sufixos -ismo e -ista.
No Quadro 1 a seguir, apresenta-se um resumo das informações sobre a inclusão de neologismos nos dicionários analisados:
Dicionário | hiperinflação | tucano | peessedebismo/-ista | petismo/-ista |
---|---|---|---|---|
GDH | Registra hiperinflação e hiperinflacionário/-a, mas não hiperinflacionado/-a | Não registra | Registra | Registra |
AUD | Registra hiperinflação, hiperinflacionário/-a e hiperinflacionado/-a | Registra tucano e tucanar | Não registra | Registra |
MDB | Registra hiperinflação e hiperinflacionário/-a, mas não hiperinflacionado/-a | Registra tucano, tucanar, tucanada e tucanismo, com a rubrica “coloquial” | Registra | Registra petista, mas não petismo |
DCB | Registrahiperinflação mas nãohiperinflacionário/-a ou hiperinflacionado/-a | Registra tucano, mas nenhum derivado | Não registra | Registrapetista, mas nãopetismo |
DIF | Registra hiperinflação mas não hiperinflacionário/-a ou hiperinflacionado/-a | Registra tucano e inúmeros derivados, como tucanar, tucanato, tucanalha etc. | Registra, com definições muitas vezes em tom de sátira e gozação | Registra, com definições muitas vezes em tom de sátira e gozação |
Dicionário | fake, fake news | super- | -ismo | -ista |
---|---|---|---|---|
GDH | Não registra | Registra o prefixo e diversos derivados | Registra o sufixo e diversos derivados | Registra o sufixo e diversos derivados |
AUD | Não registra | Registra o prefixo, sem exemplos | Registra o sufixo, com vários exemplos de neologismos | Registra o sufixo, mas sem muitos exemplos de neologismos |
MDB | Não registra | Não registra verbetes para afixos | Não registra verbetes para afixos | Não registra verbetes para afixos |
DCB | Registra tanto fake quanto fake news | Registra um verbete para o prefixo e também alguns neologismos, como superbomba, superdose, superpoder etc. | Não registra verbete para o sufixo | Não registra verbete para o sufixo |
DIF | Registra tantofake quantofake news | Registra verbete para o prefixo | Registra verbete para o sufixo | Não registra verbete para o sufixo |
Quadro 1. Inclusão de neologismos nos dicionários analisados
4. Discussão e considerações finais
Para abordar os critérios de inclusão dos neologismos nas obras analisadas, trazemos aqui o artigo de Bernal, Freixa e Torner (2020), que retoma os principais estudos sobre o assunto e afirma que o principal critério proposto é a frequência de uso, acrescido de questões formais, semânticas e documentais (em especial, a inclusão em outras obras lexicográficas). Nesse sentido, foi possível observar que, em primeiro lugar, todos os dicionários analisados se apresentam como atualizados. De fato, todos demonstraram ter registros de neologismos, em maior ou menor grau.
O dicionário que apresenta o maior número de neologismos registrados, em termos quantitativos, é o DIF, como já seria esperado, visto que é um dicionário que pode ser atualizado por qualquer usuário. Porém, observa-se, também como esperado, que essa atualização é feita sem critérios, muito mais por razões individuais de cada usuário, do que visando a uma coerência da obra. No caso dessa obra, talvez não caiba falar em critérios, mas sim em motivações que levam os usuários a querer incluir um verbete. Assim, a intenção de crítica e protesto político parece ser a principal motivação para a inclusão de neologismos como tucano, petista, petismo etc. por parte dos usuários.
À exceção do DIF, todos os demais indicam haver algum tipo de cuidado na seleção dos neologismos a integrarem as nomenclaturas das obras. Os dicionários GDH e DCB revelaram estar mais atualizados com a inserção do neologismo fake news, que se difundiu no Brasil principalmente a partir das eleições presidenciais de 2018. Já o MDB e o AUD podem ter tido suas últimas atualizações antes desse período.
Um critério que julgamos importante ser apontado (mas que não encontramos em outros trabalhos) é o da inserção de neologismos que integram uma espécie de “rede” semânticoformal, de modo que a inclusão de um não deveria ser feita sem a inclusão de outros. Por exemplo, se petista é incluído pelo critério da frequência, é desejável que petismo também seja, ainda que menos frequente. Nesse sentido, os dicionários nem sempre seguem esse critério. No caso do dicionário AUD, esse critério é respeitado em peessedebista/peessedebismo, mas não em petista/petismo. Da mesma forma, o DCB também registra petista, mas não petismo (tampouco o par peessedebista/peessedebismo).
O dicionário AUD, por sua vez, registra petismo e petista, mas não peessedebismo nem peessedebista, provavelmente pelo critério da frequência: o par petismo/petista parece ser de fato mais frequente do que peessedebismo/peessedebista. No entanto, aqui um novo critério pode ser apresentado para discussão, que poderíamos chamar de critério da palavratestemunha (nos termos de Matoré), ou seja: seria desejável que neologismos indicativos de fatos sociais e políticos relevantes fossem incluídos nos dicionários, ainda que sua frequência possa não ser alta. Sendo o dicionário um produto da sociedade e que evolui conforme a evolução dessa mesma sociedade, julgamos que um critério como esse, de natureza mais social do que propriamente linguística, não pode ser ignorado. Nesse sentido, observa-se que o dicionário GDH buscou essa inserção, ao contrário do AUD.
Cabe também refletir sobre a ausência da acepção política de tucano no dicionário GDH, que é um dos mais criteriosos. Visto que essa acepção é recorrente e presente em todos os demais dicionários, a única razão que foi possível aventar seria que os autores do dicionário a consideraram informal e/ou pejorativa, talvez fora da proposta de seriedade da obra.
Em relação aos verbetes dos elementos morfológicos aqui analisados, apenas os dicionários GDH e AUD incluem verbetes para todos eles. O MDB tem a coerência de não registrar nenhum elemento morfológico como entrada; já o DIF e o DCB não demonstram homogeneidade, ao registrarem verbete apenas para super-. O DIF revela também falta de homogeneidade ao registrar -ismo mas não o seu correlato -ista.
Causa certa estranheza o fato de o AUD não ter atualizado o verbete super-, visto que esse prefixo é ainda um dos mais empregados na formação de neologismos no português brasileiro atual. A atualização dos verbetes desse dicionário também parece não seguir muitos critérios, o que ainda pode ser estudado em pesquisas futuras.
Com esta breve pesquisa, procuramos entender alguns dos critérios que levam à inserção de neologismos nos dicionários online do português brasileiro. Selecionamos um conjunto de neologismos que julgamos representativo da sociedade brasileira das últimas décadas e analisamos sua presença nos principais dicionários online atuais. Os dicionários que têm versão impressa correspondente aparentam ser mais criteriosos quanto à coerência na inserção de neologismos. Os dicionários inteiramente online (o DIF e o DCB) introduzem quantitativamente mais neologismos, o que os torna mais atualizados, embora pareçam menos rigorosos em seus critérios. Assim, espera-se que, cada vez mais, os dicionários tornem-se mais criteriosos na introdução de neologismos e procurem apresentar verbetes relacionados entre si de maneira mais homogênea, de modo a facilitar aos usuários a percepção das semelhanças e diferenças entre as unidades lexicais descritas.
Notas
Diccionarios
[AUD] Aulete Digital. Rio de Janeiro: Lexicon. Disponível em: https://www.aulete.com.br/index.php. Acesso em: 15 jun. 2024.
[DCB] Dicio.com.br, dicionário online de português (2024). 7Graus. Disponível em: https://www.dicio.com.br/. Acesso em: 15 jun. 2024.
[DIF] Dicionário inFormal. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/. Acesso em: 15 jun. 2024.
[NDA] Ferreira, A. B. de H. (1986). Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. revista e ampliada. Nova Fronteira.
[NDP] Figueiredo, C. de (1925). Novo diccionário da língua portuguesa. 4. ed. Portugal-Brasil Sociedade Editora.
[GDH] Houaiss, A. y Villar, M. de S. (2001). Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. Disponível para assinantes em: https://houaiss.uol.com.br/. Acesso em: 15 jun. 2024.
[MDB] Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2015). Melhoramentos. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/. Acesso em: 15 jun. 2024.
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